10/01/15

Um mar apaixonado




Não sei se já disse, mas se disse, torno a dizer: não sou portuguesa das cá nascidas, sou das que cá vieram parar.

Sou brasileira, não de estatura mediana; e tão pouco sou de gema, pois que essa era lusa, já que pai e mãe eram, por sua vez, de gema portuguesa. Porém, no meu Brasil fui feita e lá nasci. Depois, lá cresci e me fiz gente. Mas a vida, essa tonta que se julga dona de vontades e troca as voltas a toda a gente, como não poderia deixar de ser, trocou as minhas também.
E cá estou eu.
Cidadã portuguesa eu sou.

Confesso que não foi processo fácil. Não me refiro à burocracia da nacionalização que também foi dos processos mais complicados que se imagine! mas refiro-me sim, ao processo de adaptação de minha pessoa a este mar... que como amante apaixonado se queria estender a meus pés.
Eu, cega pelo amor ao outro que deixara algures a milhas de distância, nem me apercebia da grandeza que tinha tão próximo.
Eu se não podia ter o mar que queria, recusava-me a experimentar o que tinha perto.

E passaram anos.
Anos de estupidez alimentada pela saudade.

Não se poderá criticar. Os sentimentos de amor e desamor são daquelas coisas em que não adianta dar palpite: sente-se e pronto. Precisam ser mastigados, muito bem mastigados. E bem digeridos. Até que, com a ajuda do tempo, esse precioso aliado nosso, acabam então, por ser absorvidos e tal e qual como na digestão, os elementos bons são assimilados e os que não interessam são eliminados, excretados, postos fora.
E aí, ficamos mais leves e prontos para acolher novos sabores e novos amores.
Assim foi com este mar.

Não me recordo qual foi o momento, mas é facto que houve um primeiro momento.
Não se poderá afirmar que terá sido amor à primeira vista, embora fosse mais romântico se assim fosse, mas tornou-se, com certeza, num amor de maior importância, visto que foi um amor cultivado ao longo dos anos por este mar que nunca desistiu de mim. Nunca foi embora de vez. Sempre se deixou estar pelas proximidades, chegando mais próximo, de quando em vez. A mostrar-se, a dar-se a cheirar, para que não me esquecesse de sua presença.
E quando dei-me conta, estava eu perdida de amor.

Este mar é para mim, de suma importância. Poderei mesmo afirmar, sem medo de errar, de que é-me vital.

Adoro enfiar meus pés nas águas deste mar. Mesmo gelado que seja! Pois que é meu. E como o sinto meu: eu sou sua. Sou deste mar gelado, por vezes irado, mas é meu mar-amado.



Março/2012

15 comentários:

Merlaine Garcês disse...

Carmem!
Obrigada pela visita!

Carolina disse...

Ola Carmem, que bonito voce escribe. Transmite muito sentimento, eu comprendo muito voce. Un beijo.

A VIDA É UM ETERNO APRENDIZADO disse...

Olá!
Que lindo esse mar.
Bom poder ver e imaginar.
Grande abraço
se cuida

Anónimo disse...

Olá Carmem

Que texto belo!

Os amores não se explicam, sentem-se e que bom que podem se somar a outros. Hoje tens um mar gelado e um bem quente para amar. Rio e Portugal, uma ótima combinação para o amor.

Beijos

Manuel disse...

Este texto é um verdadeiro poema. Lindo na forma, magnífico no conteúdo.
Adorei esse apaixonar, lento mas firme. São estas paixões que dão os verdadeiros amores.

Mariazita disse...

Olá, Carmem
Adoro o mar!
Já mergulhei noutros mares de águas mais temperadas e, por isso, mais apetecíveis.
Mas não eram tão bonitos como o nosso mar, nem deles vinha aquele "cheirinho a maresia" que nos enche a alma e o coração.
Gostei imenso deste texto poético.

Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

Lilá(s) disse...

Esse também é o meu mar! hoje mesmo percorri cerca de 6km nas suas margens. Estava sereno, lindo, acolhedor...
Bjs

Lu Nogfer disse...

Oi Carmem.

Gosto muito deste teu jeito de se expressar que se torna um grande aprendizado aos teus leitores.

Que bom que é brasileira, mas que bom também que passou amar um novo mar que já é tao teu.
A vida escolhe o solo para os nossos pés e cuida para nos adaptarmos.

Adoro te ler.

Beijo grande!

Odete Ferreira disse...

Gosto muito do mar mas vivo no interior, portanto não estou com ele o tempo que gostaria. Conheço bastantes "mares" (pelo que escreveste, deduzo que vivas mais para o norte de Portugal) e, para fazer desfrutar das ondas, prefiro águas mais tépidas. Mas não há como o mar bravio que banha toda a costa até à zona alentejana. Seduz, enfeitiça...
Posto isto, gostei imenso de ler este processo de aproximação a algo de que gostavas geneticamente mas que tinha um rosto diferente, mais tempestuoso. E é mesmo assim que perdura um AMOR. É no processo de conquista e nos laços que se vão selando que ele terá a duração da vida. Por isso te é vital!
Bjo, amiga Carmen :)
(Pela tua escrita, já me tinha colocado a questão; não me parecias "totalmente" brasileira...:) )

Luma Rosa disse...

Oi, Carmem!
Portugal te conquistou e qual mulher não se rende a um bom cortejo?

"Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar

Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim"
Tanto Mar - Chico Buarque

Bom fim de semana!!
Beijus,

Anónimo disse...

Bonito caso de amor você tem com o mar...

Um abraço, Carmem!

AC disse...

As coisas que nos são caras raramente são óbvias.

Ivone disse...

Lindíssimo texto/poema, enebriante é o mar, nos inspira, nos faz estarmos o tempo todo apaixonados, viver é mesmo uma linda aventura minha amiga, pensei que nascera aí em Portugal, mas com esse lindíssimo mar, bem aí, aos seus pés, não é de admirar que se sinta portuguesa de nascença!
Amei ler, amo o mar, amo tudo na vida, acho que o fato de viver já é apaixonante, pode até doer, mas é dor que nos faz crescer e até rejuvenescer!
Abraços bem apertados!

Marisa Giglio disse...

Seu texto é de uma delicadeza que comove , Carmem . Adorei . Beijos

Clau disse...

Oi Carmem, tudo bem?!
Achei lindo teu poema.
Desde criança, convivo com o mar...
Amo essa imensidão azul!
Beijos e até breve :)