02/01/15

A felicidade





Tenho lido menos do que minha sede pede. No entanto, um livro que me caiu em mãos,uma saborosa antologia da felicidade de Hermann Hesse, tem-me acompanhado há algumas semanas, pousado no estofo da cadeira que de assento, passou a apoio, substituindo a mesinha de cabeceira que não existe, por uma questão de praticidade. Lá se vinha deixando estar, até que hoje, duma assentada foi desbravado com a sofreguidão dum conquistador feroz, de tanta vontade que me deu de descobrir se Hermann Hesse teria, de facto, decifrado o segredo da dita felicidade. 
Sem surpresa, descubro que já em início do século passado, o grande escritor constatava que:
«Desde há uns bons tempos que andamos esquecidos em relação àquilo que os grandes mestres da humanidade descobriram e ensinaram. Desde há milénios todos ensinam o mesmo e qualquer teólogo, ou até mesmo qualquer indivíduo culto de formação humanista, no-lo poderia dizer com toda a clareza, independentemente de tender mais para Sócrates ou para Lao Tsé, ou de estar mais afeiçoado ao indiferente e sorridente Buda ou ao salvador da coroa de espinhos. Todos eles e, em geral, qualquer iniciado, qualquer indivíduo desperto e iluminado, qualquer verdadeiro conhecedor e mestre da humanidade sempre ensinaram o mesmo, nomeadamente que o ser humano não deve desejar para si nem grandezas nem venturas, nem heroísmo nem a doce paz, que não deve enfim desejar nada, a não ser um espírito puro e alerta, um coração valente e a lealdade e a esperteza da paciência, para assim poder suportar tanto a felicidade como o sofrimento, tanto o tumulto como a quietude». *
Por esta ordem de ideias, parte de mim deveria estar a seguir em bom caminho, não fosse uma outra pequena parte que insiste em contrariar.
Pois se não me perco em desejar grandezas e venturas, que as grandezas não se dão bem comigo e as venturas também não me mostram simpatia e, quanto ao heroísmo, já me deixei disso há algum tempo, no que toca à doce paz... ai! que eu sou mortal pecadora e desejo-a tanto, que até a boca se me enche d'água quando me sonho a saboreá-la...
Mas desejo sim, um espírito, apesar de já poluto, que se mantenha alerta! Que o ataque é fatal.
Desejo além da conta que neste meu apaixonado coração perdure a valentia, de que preciso demais.
E desejo também que a paciência não me vire costas, pois que será de mim?
Julgo também suportar bem a felicidade, assim venha ela.
Quanto ao sofrimento, não sendo eu formada de barro diferente dos demais, suporto-o também, pois que ninguém o suportará por mim.
O tumulto tolero, mas não suporto bem, confesso.
Mas a quietude não só suporto, como dela necessito, como do ar que respiro.
Assim, feitas as contas, talvez me permitam os mestres que me considere eu, na média do aceitável permitido, no rumo para a felicidade... quem sabe, um dia... Mas sem a desejar, claro está, que me parece ser esse o segredo.


* do livro Ainda da Felicidade - de Hermann Hesse - editora Difel

27 comentários:

Maria Eu disse...

Robustez de coração para viver as alegrias e as agruras que se nos deparam.

Bom 2015, Carmem, com um coração fortalecido! :)

Eu...Suzana disse...

Creio que estavam certos os grandes filósofos. A felicidade é um misto de grandezas, paciências, aventuras, lealdades e tantos nobres gestos mais...
E se passarmos o nosso dia a dia convivendo com tais emoções, de fato sentiremos dentro de nossa alma a alegria e o senso de termos agido dignamente, e isto sim, é a felicidade.
Grande beijo e um ótimo ano de 2015 prá voce.
Suzana

Anónimo disse...

Esta minha visitinha rápida não invalida que eu volte com mais tempo e comente.
O “copy & paste”, de que me estou servindo e só uso quando não tenho alternativa, serve apenas para agradecer a tua última presença no ÉS A MINHA DEUSA.
Que 2015 seja particularmente benéfico e realize os teus sonhos.
Até tão breve quanto possível. Obrigado pela compreensão.
Um beijo/abraço.
MIGUEL

Regina Magnabosco disse...

Você fez uma reflexão bonita e poética sobre as palavras de Herman Hess, Carmen. Interessante (isso me intriga mesmo) mais um grande pensador dizer que precisamos de sabedoria ou paciência ou coragem para abraçar a felicidade.
Um grande abraço e feliz Ano Novo!

Graça Pires disse...

Hermann Hesse, uma boa companhia para todos os dias...
Um beijo e Bom Ano.

AdolfO ReltiH disse...

MUCHAS GRACIAS POR COMPARTIR TAN INTERESANTE POST.
UN ABRAZO

Anónimo disse...

Hesse... Sempre auspicioso, né, Carmem. Agora, seu comentário ficou como uma cereja nessa deliciosa fatia chamada felicidade, dessa iguaria chamada vida.

Um abraço!

SOL da Esteva disse...

Senti-me mais confortado pelas palavras que teces em redor do tema.
A quietude, que tanto se deseja, é o Caminho para a Paz da Alma.
Um Tratado, Amiga. Um escrito que é um Tratado muito bem condensado.
Gostei.


Beijos


SOL

Odete Ferreira disse...

Fiquei presa à tua postagem; não pelo título mas pela discorrência que fazes antes e depois da extrato do autor.
Sobre o extrato: costumo dizer que a essência do humanismo já no-la deixaram os grandes filósofos da Antiguidade, considerando mesmo que vivemos em retrocesso... E é claro que concordo com o H.H e também com as reflexões que fazes a partir dele, aplicando "a receita" a ti própria.
Para mim a felicidade é um conceito vago; ela mostra-se em várias circunstâncias, cabe-nos saber ler os presságios. Confesso que, também para mim, o mais difícil é não ter a tentação de desejar a "doce paz". Mas nunca a teremos, pois há circunstâncias que não podemos ignorar. O que tento mesmo, é um apaziguamento interior que me leve a ter paciência, a aceitar o menos bom...Enfim, o desejado equilíbrio emocional. E aí poderia apelidar este estado de felicidade. Vou copiar este extrato (gostei demais dele) para o ter comigo e logo que possa ler este livro.
(Aproveito para agradecer os oportunos, inteligentes e saborosos comentários que me deixas no meu espaço.)
Muito grata por poder ler-te.
Bjo, Carmen :)

Dilmar Gomes disse...

Grande Mestre Hesse, um dos meus escritores preferidos; aliás, reli no finalzinho do ano do o "O Lobo da Estepe" e 'Demian". Gostei da tua consideração final sobre o tema proposto.
Um abração. Tenhas um ótimo dia.

Anónimo disse...

Olá Carmem

Um bem enorme ler este seu post. Sua reflexão a cerca da citação de Hesse a enriquesse e é de uma transparência e verdade inspiradoras.

Sempre que leio ou reflito sobre felicidade só me vem uma conclusão, é algo muito simples que brota da mansidão, Hermam Hesse acaba de confirmar isso em meu entender.

Beijos

Marisa Giglio disse...

Carmem , tão bonito este seu texto .
Estou voltando hoje à blogosfera e já ganho este presente .
Muito obrigada .
Beijos e feliz 2015 !

Brown Eyes disse...

Carmen vim agradecer a tua visita e desejar que o ano que agora começou traga muitos raios de sol à tua vida e à de quem te rodeia. Quanto ao que disseram os mestres eu penso que o que quiseram dizer foi que quem não deseja muito, acaba por se sentir imensamente feliz se receber pouco e sente-se sempre em paz. Quem deseja a grandeza nunca sente paz porque tudo que obtém é sempre insuficiente.
Friedrich Nietzsche dizia que tudo é precioso para aquele que foi, por muito tempo, privado de tudo. Eu penso que a felicidade está em não desejar demais, em ter auto-estima e viver o presente. Beijinhos

Isa Sá disse...

A felicidade, nunca é plena...há momentos felizes...e esses têm que ser vividos ao máximo!!

Isabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt

Manuel disse...

Não conheço bem Hermann Hesse, apenas li, há muitos anos, O Lobo da Estepe.
Mas adorei o que publicou e, aguçou a minha curiosidade, pelo que é altura de voltar a esse autor.

Gracita disse...

Olá Carmen
Você deu um complemento essencial àquela abordada por Hesse e como ele retratou com maestria para estar bem temos que coadjuvar inúmeros sentimentos.
Um beijo

Lilá(s) disse...

Interessantes palavras de um pensador que muito admiro!
Bjs

Luma Rosa disse...

Oi, Carmem!
De paciencia entendo bem! Mas se a coragem é passar por cima do medo, ainda a estou trabalhando. Alguns medos ainda preciso vencer, principalmente o de perder as pessoas que amo.
Essa sabedoria que se refere Hermann Hesse parece sabida por todos, mas pouco colocada em prática. Realmente, não é fácil!
Acho que também estou no camingo!
:)
Beijus,

Existe Sempre Um Lugar disse...

Bom Dia, vivemos por ciclos bons e menos bons, a vida não é perfeita e ainda bem que não é, caso contrario a mesma, era uma chatice e não tínhamos motivação para continuar.
AG

Jossara Bes disse...

Precioso texto!
Precisamos de "um pouco de tudo", acertando as medidas, aparando as arestas, e no silêncio escutar o que fala o coração!
Felicidades para você!

José María Souza Costa disse...

Olá, bom dia, Carmen
Neste inicio de semana. Caminho por aqui, para desejar-te, um ótimo dia para você, e uma ótima semana.
Que o Criador, lembre-se das nossas fraquezas, e ajude-nos a seguir adiante, afinal, independente da condição social, todos precisamos de algo para compor os momentos da vida. Um abraço.

Ivone disse...

Lindo te ler, a citação muito bem colocada, Hermann Hesse, adoro ler assim como você, acho que a busca é inerente as nossas almas!
Também preciso muito da quietude, são nos momentos em que me vejo sozinha e quieta que minha mente age de forma nem sempre como gostaria, pois é linda amiga, pensar o tempo todo e ao mesmo tempo parar o pensamento.
Agradeço o seu carinho lá no meu espaço, sempre bom trocar conhecimentos!
Abraços bem apertados!

José María Souza Costa disse...

Olá
Que o teu dia de domingo, seja agradável.
Que o Criador, nos brinde, com: Saúde. Paz e Alegria.
E que a família, continue, a ser, o - esteio - dos nossos dias.
Um abraço.

silvioafonso disse...

.

Seu blog é bonito e bem feito.
Vou segui-lo pelas qualidades.
O meu nada tem para impres-
sioná-la, mas seria uma honra
se você o seguisse.

Beijos,





.

Lia Noronha disse...

Belíssimo questionamento sobre um tema tão intrigante...beijos pra ti

Rita Freitas disse...

Muito boa a sua reflexão assim como a citação de Hermann Hesse.

bjs

Araan disse...

Bom dia, Carmem
Bela reflexão
Beijos, :-)