Eu tive um gato.
Não era um gato qualquer,
Desses que só fazem miar,
Sem que se consiga
Lhes entender o falar.
Meu gato
Falava-me,
Contava-me
Coisas.
Confessava-me
Por onde andava,
E perguntava-me
Onde fora eu,
Quando me ausentara.
Meu gato
Escutava-me
Como mais ninguém.
Meu gato
Olhava-me nos olhos
Com aqueles seus
Que eram dum azul
Mais lindo,
Que nem o sei descrever.
Não era o azul
Do mais límpido céu,
Nem o do mar profundo.
Era um azul
Único,
Como mais nenhum
Eu vi igual.
E com seus olhos azuis
Me namorava,
Mas apenas
Quando estávamos sós,
Não fosse alguém
Achacar-se
Por ciumeira boba.
Meu gato
Além de português,
Era um siamês,
Com ascendência italiana,
Por certo,
Se não nesta,
Numa outra
Vida passada,
Pois que meu gato
Gostava
Do bom esparguete.
E quando lho servia,
Lambia os bigodes
E parecia
Sorrir-me
Aquele seu
Olhar azul.
Houve um gato
De olhos azuis,
Vindo do Sião,
Que era português
Com ascendência italiana,
Que amava esparguete
E gostava
De mim assim.
Não fui eu
Que o tive,
Foi ele
Que me teve
A mim.
Nota: Deve-se o nome siamês ao facto dos ocidentais terem-no "descoberto" em Sião - atual Tailândia.
Para quem quiser ler umas "curiosidades" sobre o gato siamês:
http://www.tudogato.com/2011/06/siames-thai-gatos-de-raca.html
A foto utilizada é meramente ilustrativa, não correspondendo ao gato que inspirou o texto.
O meu gato siamês de olhos azuis existiu realmente.
Viveu uma vida que durou escassos três anos. Já se foi há quase dez anos, mas durará enquanto nós, que convivemos com ele, durarmos e tivermos capacidade para recordar as tantas lembranças que ele deixou, como, por exemplo, sua paixão por massa, ou sua recusa em usar a caixa da areia que tinha à disposição, e sair, pelo exíguo espaço vulnerável que descobrira entre as telhas da marquise, para alcançar o jardim, seu wc de eleição.
Era dono de suas vontades. E assim nos cativou e nos fez amá-lo da forma como o amamos, a ponto de, ainda hoje, volvidos tantos anos, lembrá-lo, ainda emocionar.