As pessoas antigas, daquelas que vão deixando já de existir no nosso dia-a-dia, como no caso de minha avó, que, a ser viva, já teria completado 101 anos, toda a vida defenderam que a Quaresma era sempre cinzenta, para lembrar aos homens as suas falhas.
Sempre tive minhas dúvidas acerca dessa teoria e mantenho-as, apesar de ser impossível não me lembrar da teoria de minha avó, quando nesta altura, o tempo resolve mostrar-nos sua face cinzenta.
Deste lado do oceano Atlântico, coincidindo esta época com a chegada da primavera, tempo de transição das agruras dum inverno, que não nos querendo deixar, ainda teima em ameaçar-nos, brincando de esconder o sol, é ainda mais fácil contradizer técnica e cientificamente a teoria cinzenta de minha avó.
Mas, com tudo isso, é facto que a Quaresma com tempo nublado leva-nos mais facilmente à circunspecção, independentemente do cariz religioso.
Essa circunspecção acompanhada de reflexão é necessária, não se põe em causa. Mas que seja para construirmos uma técnica de actuação, à semelhança do futebol, para driblar os abismos e conseguirmos a plenitude da vida e não apenas sobreviver ao caos.
Aliada à primavera,em que a natureza parece se espreguiçar depois do interregno a que se deu na estação passada, a Quaresma surge como estímulo para a renovação e o desabrochar.
Se não há quem conteste a sabedoria da primavera que instintivamente se abre em flor, será, por certo, sensato nos permitirmos florir e encher de cor para contrariar os cinzentos da vida.
*nota da bloguista: a ilustração corresponde a uma obra de arte do pintor americano Robert Henri, que viveu entre 1865 e 1929, e foi um dos fundadores da escola Ashcan (Ash Can) - início séc.XX - em que os artistas se especializaram em retratar em suas obras a vida diária de Nova Iorque.
http://www.wikiart.org/pt/robert-henri/spain-1902