O escrever, que também eu tantas vezes o percorro com passos desajeitados
tropeçando ora em auroras, ora em quase abismos, eu o dividiria em dois grandes
caminhos: o trabalhado e suado, que segue tema pré-determinado e o genuíno, que
ultrapassa vontades, aquele que nasce algures nas entranhas do ser.
Esse, o que marca o estilo, o que dita o tema, é um grito sem elevar a voz,
que pode bradar e escancarar-se em silêncio.
É a alma, senhora de si, ainda que o corpo esteja atado,
que canta seus
amores,
que chora seus lamentos,
que solta sua indignação,
que brada aos céus
seu infortúnio
e espanta a saudade.
Escrever é deixar aflorar a voz da alma, que explode em catadupa de
emoções sem vírgulas nem freios e traduzi-la em palavras, organizar-lhe as
frases e compor o texto que falará de mim, do outro, de tantos e do ninguém, de
tudo e do nada.
Depois da voz da alma ser escrita, restará àquele que ler escolher a
interpretação, segundo sua própria alma.
* a partir do desafio lançado por Miss Smile do blogue "Notas de Chá"aqui
Aí, pode-se descobrir mais umas tantas razões de escrever. Serão tantas quantas são as almasque gostam e/ou precisam da escrita.
Segundo o filósofo Immanuel
Kanta mentira é inadmissível e torna o Homem indigno.
Como em tudo ou quase tudo nesta vida, esta linha de pensamento não é consensual e há filósofos que aceitam a ética da mentira.
A mim esta linha de raciocínio de Kantagrada e penso que aplica-se lindamente à situação que ocorreu em Dezembro de 2012, quando, numa corrida em Navarra, Espanha, o corredor queniano Abel Mutailiderava a prova e, a poucos metros da linha de chegada, confundiu-se com a sinalização e deu a corrida por terminada, diminuindo o ritmo e sem se preocupar com a aproximação do espanhol Ivan Fernandez Anaya. Foi quando o corredor espanhol, que poderia, simplesmente, ter acelerado e terminado a prova em primeiro lugar, surpreendeu o mundo ao chamar a atenção do queniano, a gritar-lhe, avisando-o do lapso e a empurrar o atarantado atleta para a frente, para que cruzasse a meta à sua frente.
Por quê?– perguntaram-lhe.
E Ivan Fernandez Anayarespondeu:
"Ele ia ganhar. Eu não merecia vencer".
Se ultrapassasse a meta em primeiro lugar, sua vitória seria uma mentira.
Isto é honestidade, ética, verdade.
O filósofo Mário
Sérgio Cortella define ética como sendo “um conjunto de valores e princípios
usados pelos indivíduos para a decisão de três grandes questões inerentes à
vida, que são: quero, devo e posso”.
Todos sabemos, desde
tenra idade e, ensinamos também a nossos filhos que as coisas à nossa volta se
dividem em três grandes grupos:
o que eu quero e
posso;
o que eu quero mas
não posso;
o que eu posso mas
não quero.
Daí, uma das
primeiras frases de ensinamento que a criatura ouve é:
“não pegarás o que não te
pertence” →queres mas não podes.
A expectativa de
obter o objecto de desejo poderá gerar uma série de conflitos interiores.
A opção é tomada tendo
em consideração os princípios pelos quais o indivíduo rege as suas atitudes: a ética.
Se tiver como
princípio ético “ não pegar no que não lhe pertence”, com certeza não o fará.
Mas... e se o indivíduo
se reger por outros princípios?
Os seus princípios
não vão de encontro àqueles que regem a maioria dos indivíduos. Segundo o
filósofo Cortellanão há ninguém sem ética, o que há é “uma ética contrária à
nossa”.
Aliás, também é sua a
definição bem despretensiosa, apresentada no livro “Ética e vergonha na cara”, editado
em parceria com Clóvis de Barros Filho(professor especializado em Ética,
advogado e jornalista):
“ética tem a ver com vergonha na cara, com decência”.
E esta, hein?
Ou seja, há criaturas
a quem a falta de vergonha não afecta o passo, não tira o sono nem acrescenta
rugas.
Simples assim.
E há as que acreditam
em Clóvis de Barros Filho quando diz:
“Ser ético exercita o espírito”.
Ao ver este vídeo, não pude deixar de lembrar de alguns de nossos jovens que gostam de alegar que
"fazem/usam/querem ... porque toda a gente faz/ usa/quer."
Mas, para além de nós, pais e educadores, o filósofo Cortellatambém assevera que:
"Não é porque o outro faz que eu tenho que fazê-lo do mesmo modo."
É assim que a voz de Lady Gaga se eleva numa canção composta em co-autoria com Diane Warren, para gritar contra a violência sexual de que tantas mulheres são vítimas.
Lady Gaga passa a ser porta-voz de quem mantém o silêncio por medo e por vergonha e, também por quem vê a Justiça falhar na hora de punir os criminosos.
A canção foi composta para ser tema do documentário realizado pela CNN: "The Hunting Ground"- traduzido à letra: "A Área de caça", referindo-se à área universitária, que serve de palco a um degradante e vergonhoso sem-número de violações de jovens americanas e, que o cineasta Kirby Dick denuncia nesta produção.
No vídeo imediatamente abaixo pode ver-se a apresentação na cerimónia dos Óscares no início deste ano, quando cantou e emocionou o público e, por fim, levou ao palco dezenas de sobreviventes de violação.
Escolhi este vídeo por iniciar a apresentar trechos de noticiários que apresentam casos de violação no Brasil.
Aliás, a violação feminina é prática corrente em todo o mundo, estando intimamente ligada às culturas machistas, ainda que de forma não-assumida.
A mulher, desde sempre, e, por mais evoluída que seja a sociedade, é considerada um ser filho de um deus menor por muitos, muitos mais do que é possível admitir à luz do progresso social e cultural. E muitos mais do que qualquer um de nós gostaria e gosta! de admitir.
Qualquer um de nós não precisará puxar muito pela memória para se lembrar de uma mão cheia (apenas?) de casos de violação de mulheres e meninas por todo o mundo, que viraram notícia, apenas desde o início do ano.
Chocaram-nos.
Nem queremos pensar...
Até que aconteça com uma de nós ou uma das nossas.
Curiosidade:
Diane Warren,
a compositora, diz, em entrevista, que a música toca o coração das
pessoas, porque, embora tenha sido escrita baseada no trauma da
violação, sua letra pode ser relacionada a qualquer outro trauma de
perda - e sim, há momentos em que, por mais que se goste e se queira,
nada podemos para além de emprestar o ombro e os nossos braços, num
abraço quente e afectuoso, ao outro que sofre a sua - só sua - dor.
E diz, ainda, que apenas Lady Gaga poderia dar voz à canção, pois também ela foi vítima de abuso.