O mar enfureceu-se contra os homens,
ergueu suas ondas e lançou-se, resgatando as areias que eles não souberam
cuidar.
Mas um dia, uma mão cheia de príncipes
surgiu e quis provar ao mar que sabia da importância das areias e que havia de
cuidar delas e chamar de volta as criaturas que outrora haviam feito das areias
morada.
Prometeu que a vegetação que, um dia,
povoara as areias havia de voltar para baloiçar-se ao vento naquela dança que
ele, o mar, gostava e que o apaziguava.
O mar exigiu que se erguesse um belo
castelo a fim de proteger as areias.
Mas os príncipes, que não eram mais que
uma mão cheia e que traziam nas mãos apenas a vontade, que era boa, não
prometeram castelos e ergueram muros simples, que, de tão simples, foram motivo
de chacota por parte dos homens que haviam enfurecido o mar. Eram muros de
ripas de madeiras, a que chamavam paliçadas, para abrigar as areias e não
deixar que fossem levadas pelos ventos quando de seus ataques de fúria. Entre
uma ripa e outra deixavam pequenas frestas, que eram como janelas para que o
mar não perdesse de vista as areias que amava.
E cuidaram das pequenas plantas, que os
homens apelidavam de ervas e que, apesar de moribundas, ainda espetavam aqui e
ali a anunciarem-se na areia.
Ao longe, os homens, de braços cruzados,
cochichavam entre si e, do alto da sua ignorância, atestavam que os príncipes
eram loucos por acarinharem ervas.
As luas correram no céu. Veio o inverno.
Após a primavera ergueu-se o verão e, como veio, se foi.
E muitas mais luas passaram. Passou
novamente uma estação atrás de outra, como está escrito que seja.
Chegou, por fim, a primavera que haveria de
mostrar que a vida, em silêncio, regressara às areias, que agora não eram
apenas montes de areias que o vento levava daqui para ali. Não. Agora eram
areias de corpo e alma, porque criaram raízes e deram vida a borboletas e
pequenas aves. As areias agora são dunas. E das dunas desabrocham cores e
cheiros que haviam sido esquecidos. E hoje, das dunas também desabrocharam asas
que já ensaiam voo.
* Trabalhos que se fazem, na tentativa de repor o que, um dia, foi destruído aqui.