28/06/14

Saudade



Tenho saudade de te amar
a ti...
Que nem sei quem és…
A ti
que seguiste
pelo caminho contrário
ao que trilhei.
Mas amor,
mesmo assim,
é para ti,
que eu não tenho,
que eu não vejo,
que eu nem conheço, sequer…
É para ti
que eu canto esta canção
que é de um romantismo barato,
ridícula,
como ridículo é o amor.
É a ti
que eu digo: “I love you”.
É de ti
que eu tenho saudade.
É dos teus beijos
e abraços
que eu sinto falta.
É da tua voz,
num sussurro de palavras
que não conhecem decoro,
que eu tenho saudade.
É de ti amor
que eu sinto tanta falta.
É apenas de ti
que eu tenho saudade…

22/06/14

Nem cem anos de glória



Nem cem anos de glória
me compensarão
ou apagarão
as marcas torturantes
de cada minuto vivido
dos dias que se seguiram,
uns aos outros,
e que se tornaram meses…anos…
Nada compensará
a lágrima sem razão
sempre a insistir,
a teimosa.
Nada compensará
o choro estúpido sem freio,
feito criança tola
e ranhosa
que já nem sabe o porquê
de tanto chorar.
E a dor seca?
O lamento
que não chora,
escondido num sorriso aberto.
As gretas como
na terra sedenta
de água,
que, se eu fosse poeta diria:
Rachavam o coração.
Eu, que não sou poeta,
tenho-as entranhadas
em todo o meu corpo.
Cada centímetro meu
é terra árida,
com sulcos profundos
que chuva não trata.
É dor tremenda
que drogas não curam.
E que nem cem anos de glória
apagar-me-ão da memória.








17/06/14

O véu negro

https://pixabay.com/pt/fantasma-fantasmag%C3%B3rico-encantado-259671/




O véu negro
aproximou-se de ti
e cobriu-te.
Agasalhou-te.
Seria frio
o que sentias?

Pergunto-me
se sentirias
o toque leve
de sua asa
nessa tua pele
carcomida
pelas agruras
de uma vida errante.
Tanto tempo
sem um carinho...

Seria o aconchego
que ansiavas?
Nem questionaste
quem to oferecia.
Já te seria,
decerto,
indiferente
de quem viria
o alento
que te faltava.

Reconhecerias o rosto
que trazia o véu negro
que te cobriu?
Compreenderias
que ao recebe-lo
não haveria volta?

Terias tu
o abraçado
tanto como ele
te abraçou a ti?
Ou deixarias,
impávido,
que te envolvesse
o terno calor
com que te brindava Tânatos
enquanto te sorvia a vida?




P.S.

A morte chegou-nos à porta e deixou um travo amargo de indignação.

Levou, sem aviso, alguém que nos era muito próximo. Não diria que era uma pessoa muito querida. Mas era, com certeza, mais chegada que algumas muito queridas.

As pessoas assim chegadas são aquelas a quem a vida fez cruzar caminhos próximos ou os mesmos que os nossos e que ocupam um lugar ali, algures entre a família e os amigos.
São pessoas que estão na nossa vida praticamente todos os dias, para o bem e para o mal. São aquelas que nos aborrecem tremendamente, vezes sem conta, mas, na mesma medida, à sua própria maneira, nos dão auxílio nos nossos momentos complicados, mesmo que não pronunciem uma palavra de conforto, por não terem jeito com as palavras.
São aquelas a quem já conhecemos os hábitos mais subtis, o ritmo dos passos, reconhecemos o cheiro e os abraços.
A vida já me deu a triste oportunidade de cruzar com a morte vezes sem conta.
Por mais que tente, não consigo ainda aceitar que chegue em determinadas situações e lugares não só inconvenientes, mas até humilhantes e indignos a uma pessoa de bem.

Uma coisa é ver um corpo preparado com esmero, já depositado numa urna, outra bem diferente é ver um corpo indefeso, na posição em que se deixou ficar no momento em que a morte o surpreendeu e o ser deixou de ser pessoa. O sopro da vida esvaiu-se e restou apenas uma matéria inanimada, desprovida de qualquer reacção, insensível e inalterável na sua posição, como se de um manequim de vitrina de loja se tratasse.

Para quem crê na alma fica a sensação de que a verdadeira essência da vida fugiu num repente. Apetece, então, ir procurá-la para confortá-la.
Para quem apenas crê na matéria fica a dúvida, certamente, sobre o que realmente se terá passado ali, naquele milagre da vida/morte. Apenas química?
Pergunto a mim mesma se naquele lapso de tempo, entre o ser e o não serhaverá tempo para a tomada de consciência. 

Do nosso morto, ainda persegue-me a lembrança de ver o corpo naquela posição inerte e desprovida de fumo de vida com um abraço em suspenso.
Resta-me a incredulidade diante daquele abraço surpreendido pelo fim, que nem teve tempo de desabraçar.

Ou abraçaria a morte?