Quando não se quer espingarda nem metralhadora.
Quando não se tem aptidão para fazer mortos nem feridos.
Quando a voz é amordaçada.
Quando a liberdade é encarcerada.
Quando se é ninguém, a palavra dá poder. A palavra faz-nos grandes.
A escrita pode ser arma. Em silêncio ela grita. Ultrapassa fronteiras, navega por mares revoltos, redobra força e alcance na vontade de outros.
A poesia tem um poder maior do que o seu tamanho e pode mover montanhas.
Mia Couto, no prefácio de um livro de Xanana Gusmão, fala disso tão bem.
Xanana, cujo nome correu mundo, a quem arrancaram as armas, isolaram numa cela e lhe calaram a voz. Mas, em silêncio, continuou seu grito, pela liberdade de seu povo, de sua terra, de seu mar.
Na prisão, Xanana escrevia e pintava.
Na prisão, seu silêncio gritou ao mundo, e desencadeou das maiores acções conjuntas de vários países para a instauração da liberdade num país.
Hoje, tenho em mãos, seu livro de poemas e pinturas, uns e outros da época em que esteve preso. O livro: Mar Meu, tem um prefácio fabuloso de Mia Couto, de que transcrevo alguns trechos.
«O tempo é um ser que engravida antes mesmo de nascer.
Em cada momento, a História sonha o seu próprio futuro. (...)
Com desespero de náufrago, o tempo abraça ao mundo e, no remoinho, ambos se afundam. (...)
Neste estilhaçar de tempo e mundo, que lugar tem a solidariedade? Quanto nos pode ocupar a injustiça que ocorre distante, quando, tantas vezes, fechamos os olhos àquela que tem lugar no nosso próprio lugar?
Timor parece erguer-se como prova contrária a estes sinais de decadência. Afinal, há alma para sustentar causas, erguer a voz, recusar alheamentos. Uma nação distante se reassume como nosso lar, nossa razão, nosso empenho. O sangue que se perde em Timor escorre de nossas próprias veias. As vidas que se perdem em Timor pesam sobre a nossa própria vida.
Foi assim que li os versos de Xanana. E naquelas páginas confirmei: pela mão de um homem se escreve Timor. (...)
Há ali não apenas poesia mas uma epopeia de um povo, um heroísmo que queremos partilhar, uma utopia que queremos que seja nossa. (...)
Adentrado numa cela, Xanana nunca esteve tanto no mundo. Seu nome nunca ganhou tais ecos, seu rosto magro nunca se desdobrou em tanto retrato. (...)
Mais que o negar de uma nação, um genocídeo está acontecendo. Não basta a nossa indignação. (...)
A poesia pode ser uma destas subtis armas que poderá mover montanhas. (...)
Numa cela isolada, um homem escreve versos. Reclama o simples direito de ter um mar, um céu que, sem temor, embale Timor. Neste simples acto, este homem de aparência frágil, desqualificou as paredes, convocou a nossa solidariedade e negou o isolamento. (...)
Afinal, um simples verso refaz o Universo.»
Maputo, 21/6/98
o céu não é meu
Estou em guerra
o mar não é meu
Estou em guerra
e a vida só se conquista
com a morte...
na esperança de recuperar
o meu mar!"
O poema é de Xanana Gusmão, escrito em 1995, a tela, também sua, é do ano anterior, ambos criados na prisão.
44 comentários:
Que linda homenagem, que a vida valha por isso, por ter exemplos de pessoas que não se deixam abater, luta pelo direito a viver, a ter dignidade,a liberdade é da alma, a prisão não lhe tirou a inspiração, venceu e com certeza deixa sempre lições lindas de vida!
Assim foi também com Mandela e muitos que fazem de tudo pelo Todo, pelo direito de liberdade!
Amei ler aqui, boa sugestão de boa leitura!
Abraços linda amiga Carmem!
Olá Carmem, que texto,que livro. A escrita pode ser sim uma arma,quando perdemos o direito do diálogo,quando precisamos por para fora o que nos agoniza. ..a escrita destrói nossos mostros internos; a escrita liberta.Feliz semana, beijinhos
Lindas palavras de Mia Couto sobre a poesia.
Adorei Carmen.
Bjs,obrigada pela visita e uma ótima semana.
Carmen Lúcia.
Carmem, lindos textos, contextos trouxe aqui...
Palavras escritas trazem liberdade e voos lindos na alma... A alma livre se expressa, já disse alguém!
Um abraço
MUY ALECCIONADOR TU POST. GRACIAS POR COMPARTIRLO.
ABRAZOS
Olá Carmem :)
Aprecio muito os textos de Mia Couto.
Xanana Gusmão, desconhecia e achei
fabuloso o poema, assim como a tela.
Só alguém que nega o isolamento, e faz da escrita uma arma,
é capaz de tamanha sensibilidade e altivez.
Bjs!
Um post soberbo, Carmem!... Grata pela partilha!
A escrita é mesmo o último reduto da liberdade... e efectivamente considerada uma arma... por vezes em sentido literal...
Em Angola... um grupo de jovens permanece preso por se reunir e discutir ideias... com recurso a livros... cuja leitura seria considerada tão perigosa... que originaria uma rebelião... certamente, levando à letra... por parte das autoridades, a força e o poder dos livros, enquanto arma de arremesso...
Continuamos a viver num mundo tacanho e incompreensível, nos dias de hoje... em que a liberdade de expressão... ainda é uma miragem, em determinados meios...
Ficam os preciosos testemunhos, como este que nos deixou... que nos mostram como estas pessoas, continuaram lutando, com todas as forças de que dispunham, nestes momentos tão marcantes da história...
Beijinhos! continuação de uma boa semana!
Ana
A palavra pode ser uma arma bem poderosa.
O poema e a tela são magnificos.
Beijinhos
Maria
Oi, Carmem, benditos sejam aqueles que conseguem viver a sua verdade...são poucos e quando conseguem gritar ao mundo logo encontram a mordaça como testemunho...obrigada pela linda postagem.
Um abraço, Paz e Bem!
Carmem, parabéns por esta mensagem tão completa que merece divulgação.
A palavra, a cultura no geral, pode ser e é mesmo uma grande arma, talvez por isso os governos que menosprezam e proíbem a cultura são os mais ditadores.
Um beijinho grato pelo seu carinho
Fê
Excelente post. Conhecia o Xanana poeta, não sabia que também era pintor.
A escrita é efectivamente uma arma. E uma arma poderosa. Talvez por isso os governos opressores sempre a censuram.
Um abraço
a escrita, tal como a canção , será sempre uma arma, contando o que se não conta, falando o que se não diz. Um escape que nos liberta, que nos faz dizer o que vai cá por dentro e que alguns pretendem ignorar, subavaliar...
Serão as vozes de Xanana , de Mia e de tantos outros que continuarão a ecoar, a virar a página do tempo, a renovar-se para se encaixar em tempos novos .
Um abraço
Timor, um país que nos acordou. Por quem , um dia tudo parou na rua para um minuto de silêncio. E o silêncio foi um grito. Imaginemos quantos gritos em cada sílaba desses poemas, em cada cor dessa tela. Palavras são gritos sufocados nas entranhas nem que seja num papel amarrotado de uma prisão.
O prefácio de Mia Couto...sem palavras. Esta postagem, uma pérola!
Um pouco ausente...mas presente!
Beijinho, Carmen. :)
Não conhecia Carmem!
É admirável que em condições tão adversas a poesia não se cala nele. E toda a linda arte se torna maneira de expressão.
Gostei muito de saber! Beijo!
Olá Carmen,
Não conhecia esse poeta, Xanana Gusmão, que força têm suas palavras!
Gosto muito do Mia Couto também.
Bela homenagem
Bjs
Bem hajam os homens capazes de lutar pelos seus ideais, pelo seu pais, pelo seu povo que sofre amordaçado, sem pegar numa arma; este soube usar o melhor que tinha para com coragem e persistência fazer a sua guerra, a guerra do seu povo pegando numa caneta, num papel e deixando que a palavra atingisse , feito flecha os mais empedernidos senhores do mundo, Soube, com cores vivas colorir o seu sofrimento e fazer o mundo ver que,tanto ele quanto o seu povo só queriam o direito a recuperar a paz, a recuperar a sua terra, o seu céu, o seu mar. Fantástico este teu post, Carmem e obrigada por me dares a conhecer esta faceta de Xanana Gusmão. Não a conhecia, embora sempre o tivesse admirado muito. Um beijinho e boa noite.
Emilia
Oi, Carmem, a palavra é poderosa, voa longe e tanto pode fazer imensos estragos como quase milagres. Carrega o conforto, o amor, como também o ódio, a inveja, a mentira.
A arte também é indignação, aplauso, emoção, história. O homem desde sua primeira morada (cavernas) deixou registrada sua história, sem ela não teríamos noção alguma sobre o desenrolar da nossa civilização. Não saberíamos tanto da humanidade.
Ótima sua postagem!
Beijo, amiga.
Belo momento, amiga Carmem, realmente, a palavra é uma arma poderosa.
Um abraço daqui do sul do Brasil. Tenhas uma linda tarde.
Muito linda sua postagem com essas belas referencias e inserções de Mia Couto.
A força das palavras e seu poder de penetração, que faz renascer vidas e esperanças num mundo muitas vezes desigual e mau.
Linda partilha e indicação.
Grato.
Abraços com carinho.
Querida Carmem: Linda homenagem de poder falar na luta pela liberdade, pela justiça, pela paz, e também para quem lutou por tudo isso.
Beijinhos,
Léah
Só li ainda um livro de Mia Couto, há muitos anos (possivelmente perto da altura do massacre de Dili) :)
Boa noite!
Sem dúvida que a palavra é uma arma, e devia ser mais utilizada.
Beijinhos, muito obrigada pelos teus comentários no meu cantinho, eu também passo sempre pelo teu mesmo que não deixe comentários :)
uma boa notícia...
beijo
Carmem, sabes, gosto imenso de Mia. Mia não é para ser lido, é para ser sentido. Adorei seu post. Muito!
Veja se não é para parar e sentir o tanto que há nestas palavras: 'O tempo é um ser que engravida antes mesmo de nascer.'
Beijos querida.
Boa tarde, já li Xanana Gusmão, adoro ler a sua simplicidade na escrita e tão objectiva, tudo que li dele vem ao encontro do meu pensamento, tem haver comigo.
Bom fim de semana.
AG
O que fizemos por Timor foi um dos momentos altos da nossa História.
E Xanana soube corresponder, tal como o tinha feito anteriormente, mesmo na prisão.
Um magnífico post, parabéns pela abordagem ao tema.
Bom fim de semana, querida amiga Carmem.
Beijo.
As palavras podem ser mais poderosas do que as armas. As armas matam. As palavras multiplicam-se, fazem renascer.
Um beijinho, Carmem :)
Fiquei curiosa de ler o livro do Xanana. As palavras são realmente uma arma e são muito menos silenciosas do que parecem. Tantas vezes são grito de revolta, são prece, são lume a arder em noite escura...
Um beijo.
É preciso muito caráter e muita força para escrever nessas condições! Sem dúvida louvável...
Oi Carmem! Tambem não conhecia Xanana, mas desde já reconheço o sofrimento e a força para lutar nas suas palavras. Quando não se pode falar, podemos escrever. Um abraço!
Carmen: fico grata por poder ler esta tua partilha. Tanta história (que vivi intensamente) me foi ativada por ela...
Grandes NOMES da palavra e atos, sobretudo no caso de Xana!
PARABÉNS!!!
BJO :)
não há machado que corte a raiz ao pensamento
um abraço, Carmen
Memória viva
Bj
Grande homem e grande escrita na perfeição...
Bjo e uma ótima semana minha amiga
Muito obrigada pela partilha!
Haja mar
e Haja céu
Bj
Preciosa partilha, adorei a leitura.
O Mia Couto, conheço e aprecio muito (tenho
livros dele, adoro a sua originalidade literária!),
O Xanana Gusmão conheço pouco, irei buscar mais
conhecer.
Muito grata por esta leitura, Carmem.
Grata também pelo seu belo e sensível comentário
no meu poema, viu?...rss
Beijos, querida.
Os Homens Grandes, são o depósito da sabedoria, não só nas Tribos Africanas. Lê-los, pensá-los, segui-los, são caminho para outros horizontes.
Aqui os Homenageias com muita sensibilidade e "saber".
Parabéns.
Beijo
SOL
Olá Carmen,passando para agradecer sua visita e comentário.
Bjs-Carmen Lúcia.
Olá Carmen, vim te dar um beijinho e desejar um ótimo final de semana, que já se aproxima.
Gosto muito de ler Mia...mas não conheço nada de Xanana!
Fiquei curiosa pois gistei do que li!
Bj e obrigada pela visita
Adorei, foi um prazer conhecer seu blog!
Olá, Carmem, que bela coletânea... a escrita tem um poder infinito e tudo depende de como manejá-la. Xanana não conheço, já da Mia sou fã. Abraços!
Boa Noite, querida Carmen!
A palavra tem poder e repercurte nos corações a medida em que se abre a receber o que ela pretende exalar!
Bjm muito fraterno
Carmem,
Os poetas e escritores são lições de vidas para nós.
Quanta beleza em palavas, mas muitas vezes, eles tiram isso do fundo da alma.
Acho perfeito esse dom. Parabéns pelo lindo post.
Abra~ps
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