Era um vez …
uma terra que ficava do lado de lá
da montanha.
Era uma terra com cheiro a cacau, que entoava belas melodias que
corriam livres de ouvido em ouvido.
Lá nessa terra, que
parecia encantada, não havia fadas nem duendes. Não havia pós de pirlimpimpim,
nem varinhas mágicas, nem cartolas negras de alta magia. Havia homens e
mulheres e crianças. Muitas crianças, umas mais pequenas e outras maiores, que
traziam nos sorrisos o brilho dos diamantes.
Os muros que separavam os
quintais das casas eram baixos o suficiente, de maneira às pessoas poderem se
debruçar sobre eles e estarem à conversa com os vizinhos. Os portões estavam
sempre abertos para trás: porque todos eram bem-vindos. E, se chegassem à hora
em que a comida estivesse a ser posta na mesa, era só acrescentar mais um prato
e todos comiam em alegria.
Nessa terra, que parecia
encantada, todos tinham voz. Todos falavam e todos sabiam ouvir.
Todos eram
donos das decisões tomadas.
Não conheciam o
significado da discussão.
Não conheciam intrigas
nem guerras. Viviam em paz.
Não havia pobres, porque
não havia ricos.
Havia justiça porque não
conheciam a palavra mentira e todos tinham boa memória: ninguém podia se
esquecer do que havia dito ou do que havia feito, porque todos se lembravam.
Mas um dia, houve um
dentre aquele povo, que quis atravessar a montanha e seguir o cheiro das novidades
que o vento trouxera.
Quis ir e foi.
Quando voltou, avisou que
se fechassem os portões, que o perigo andava à solta.
Mandou que se alteassem
os muros, para evitar o vaguear dos olhares além-fronteiras.
Anunciou que as horas das
refeições não eram para visitas.
Determinou que as pessoas
não mais se juntariam para tomar decisões, pois que muita gente a opinar, não
daria bom resultado. Um chegaria para ditar as leis. Quando muito, usariam
outro para votar a favor.
Os livros foram banidos.
As pessoas deixaram de sorrir.
Até a terra deixou de entoar as belas melodias.
Ninguém falava com
ninguém.
Quando o povo começou a sentir-se
infeliz, o homem que havia atravessado a montanha, que havia ido e voltado, mandou que
trabalhassem mais, porque o trabalho geraria a riqueza que traria a felicidade
à terra...
E foi assim, que tantos homens,
mulheres e crianças perderam-se em desencanto.
* Neste momento, em vários pontos diferentes do planeta, por diferentes razões, há terras sem encanto.
Há olhos que não podem se estender além dos muros.
Há portões que nunca são abertos.
Há crianças que não conhecem o sorriso.
Há livros que não são lidos.
Há bocas que não podem falar.
Há quem feche os olhos a tudo.
38 comentários:
O trabalho liberta... um lema muito em voga, num período bem negro da história deste mundo...
E o progresso acelerou-se desde aí... para libertar a humanidade do trabalho... e o desencanto... e a falta de tudo... persistem...
Um belo, e inquietante texto, e que nos faz reflectir, sobre a fonte do desencanto, permanente, em que a humanidade vive mergulhada... de uma forma ou de outra...
Parabéns pela inspiração! Beijinhos!
Bom fim de semana!
Ana
Uma terra quente de afectos onde o sol aquecia a alma,com o encanto do ocaso em cores fortes,matizados tons quentes da alma das gentes...
O homem é o seu próprio carcereiro.
Beijos, Carmem :)
Oi Carmen
O encanto se desfez e em seu lugar ficou a ganância, a intolerância e o sentimento de infelicidade tomou o coração de todos
Belíssimo conto amiga e com uma bela lição
Um maravilhoso final de semana
Beijos
O homem tudo transformou e agora por vezes nem ele, nem a terra se encantam... LINDÍSSIMO! Adorei ,tão profundo, tão verdadeiro! bjs, lindo fds! chica
Texto maravilhoso, eu consegui viver poucos anos nessa terra encantada, depois....mas ainda em tempo de sorrir, e ver alegria em alguns!
bjss
Amiga Carmem, sensibilizei-me muito lendo aqui, tens essa capacidade de nos mostrar os detalhes da vida que,muitas vezes nos passam despercebidas!
Quando eu era criança, eu achava que vivia em uma terra encantada, mesmo morando na cidade,tínhamos em nossos bairros essa linda interatividade, brincava-se nas ruas sem medos e com vizinhanças maravilhosas, não havia tanta diferença entre pobres e ricos, pois não havia tantos ricos, nem quero entrar no âmago da questão, só sei que amei ler aqui!
Abraços querida amiga!
E vivi essa estoria de encantar, na minha aldeia onde as pessoas se transformavam em fadas, duendes, principes e princesas, ajudando-se mutuamente , entrando e saindo livremente na casa uns dos outros sempre prontos a partilhar o pouco que havia. Havia cantares, danças populares, sorrisos e gargalhadas da pequenada correndo solta pelos quintais, felizes com os brinquedos que a natureza lhe oferecia. Mas depois também lá chegou esse " UM " e aos poucos tudo mudou. Hoje as portas fecham-se, os portões são altos e bem trancados e os muros também.
Como se de uma estoria infantil se tratasse aqui retratas muito bem as consequências nefastas que o progresso trouxe às nossa vidas; não culpo o progresso, mas sim o ser humano que não o tem sabido usar com o necessário equilibrio . E esta estoria deveria ser contada hoje às nossas crianças apesar de muitas já pouco saberem sobre fadas, duendes pricipes e princesas; o progresso tem contribuido para que a fantasia tenha dado lugar aos olhinhos tristes , mas talvez ainda vamos a tempo de lhes mostrar que têm de se defender desse " Um ", evitando o mais possivel o contacto com ele e com tudo o que de mais apelativo ele lhes oferece. Nós já fomos " comprados " por essas promessas de vida melhor, de um ter muito mais do que suficiente, mas ainda vamos a tempo de poupar as nossas crianças dessa prisão em que se tornou a vida humana. Carmem, adorei esta maneira de nos levar a refletir nas escolhas que fizemos e que infelizmente continuamos a fazer. Parabéns, querida amiga e muito obrigada. Um bom fim de semana. Beijinhos
Emilia
ontem comentei, mas na hora de publicar a net falhou. Se aparecerem dois comentários, anula um, certo? Até. ...
Olá, Carmem
Como vou passar o final-de-semana em casa da minha filhota esta passagem é rápida como o voo duma andorinha …
A Mulher que não é Mãe… é filha… portanto, tem ou teve Mãe.
Por isso tem sempre motivo para festejar o DIA DAS MÃES.
Desejo que o seu seja muito feliz junto de sua linda família.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
A magia é algo tão simples e tão ao nosso alcance sem necessidade de cartolas, varinhas mágicas, pó de pirlimpimpim. Um sorriso apenas e está feita a magia. Um portão entreaberto, um prato a mais posto na mesa. E somos nós mesmos a acabar com ela.
Não há como não se emocionar, refletir sobre os cantos do planeta que perderam encanto, que crianças não sorriem, que livros não são lidos. Não precisava ser assim...
Um triste e bonito texto.
Sobre o comentário que você deixou a respeito do meu texto com geleia de mirtilos ( ! ) eu li e me encantei com Valter Hugo Mãe e o Filho de Mil Homens onde ele fala dessa simplicidade quando se é íntimo.
Já leu? Gosta do autor?
Beijos!
A história do mundo não para e as gerações se sucedem com toda a mudança que o avanço tecnológico produz... a sociedade contemporânea está alicerçada no consumo e entramos na roda da ganância e do poder onde os homens passam a ser meros indivíduos da sociedade de mercado...mudando valores mudam também comportamentos, os quais causam a nós, que vivemos épocas mais amigáveis, muita saudade e nos jovens o fastio do desencanto. Mas o mundo gira...
um abraço Paz e Bem!
E esta terra desencantada é a mesma que vivemos hoje...infelizmente!
Acredito que ainda existam lugares encantados no mundo,principalmente longe das cidades grandes,onde as pessoas ainda se relacionam plenamente,confiam uma nas outras,são gentis e dão o melhor de si em prol do bem comum.
Um abraço Carmem!
UN EXCELENTE RELATO,MUY REFLEXIVO.
ABRAZOS
Oi, Carmem!
Adoro ler aqui! Me faz refletir e sonhar!
Sonhar um mundo com mais encantos reais!
Obrigado pela sugestão a minha poesia. Quem sabe, uma canção?
Beijo carinhoso para você, seja sempre muito feliz!
A ganância e a desconfiança são coroas de espinhos que crescem à volta do coação. A história do homem é uma cadeia inumerável de desencontros, egoísmos, opressões e crueldades. A história do homem em geral causa-nos desencanto, mas os gestos e as ações benévolas do homem em particular fazem-nos ter esperança.
Um beijinho, Carmem :)
O trabalho é uma terapia. O trabalho liberta quando feito com dedicação e Amor. Mas hoje tudo se faz por dinheiro que não é sinónimo de felicidade. E o desencanto instala-se no desassombro do TER.
E perdemo-nos na selva de rostos vazios porque não se É. TEM.
Maravilhos Carmen.
Feliz Dia das Mães
Bjis
Olá Xará,
repensando em tuas linhas me veio a máxima:Homem lobo do próprio homem.Lástima que acompanha a passagem dos séculos.
Ainda bem que os persistentes sonhadores regam continuamente a esperança do viver em completude aos altos valores do sentir e do agir.
Sigamos pois, arautos da terra encantada!
profundo e belo texto.Aplausos!
Bjo,
Calu
Oi, querida Carmem, mas quanta verdade tem nesse texto! Do começo ao fim vai passando um filme e ao mesmo tempo fui imaginando coisas que vivenciamos e bate muita saudade. Não quero dizer que é bom viver de saudades, mas as comparações logo chegam e com muitas diferenças: portões abertos, muros baixos, não havia muitas discussões porque havia respeito, mais solidariedade e menos ganância. Claro que sempre o homem quis poder e riqueza, mas não do jeito que está. Havia campo para a felicidade, para mais amizade. Podíamos sonhar e acreditar mais nas transformações. Mas esse mundo encantado foi-se! Restou o que aí está, tão claro e tão triste para todos, mesmo para aqueles abastados que avançaram o sinal e fizeram de suas vidas um lamaçal vergonhoso.
Adorei essa reflexão, esse teu desenrolar devagarinho da vida sobre a Terra.
Beijo grande, amiga.
o homem atravessou a montanha, mas esqueceu-se de parar um momento para contemplar, foi contagiado apenas pela febre das alturas
e quem de nós se poderá gabar de nunca ter fechado os olhos à injustiça e à carência de toda a espécie
daí a importância deste seu grito
um abraço, Carmen
na ilha da Utopia era assim - como dizes!
mas um dia o homens ergueram estátuas e tudo se perdeu
gostei deveras
Olá Carmen!
Há desencantos no mundo,é certo, mas não podemos perder a capacidade de encantamento.
Se perdermos, que sentido terá a vida?
Um grande abraço,
Sônia.
Um texto excelente, profundo (reflexivo) e sensível.
Um sonho de realidade que pode ser possível e hoje
cada vez mais se encontra no impossível, a ganância
dos podres poderes criaram e mantém a desigualdade,
a injustiça e a destruição.
Mas, não devemos deixar que o encanto fuja
dos olhos!...
Grata pela maravilhosa leitura, Carmem!
Uma semana inspiradora!
Beijo.
Inquietante, esta história, por tudo o que tem de significado verdadeiro. É por isso que tenho medo dos donos da verdade...
Um beijo.
Verdadeiramente inquietante a introdução da dúvida e da desconfiança; é semente daninha que prospera livremente nos terrenos de Paz.
Bom trabalho, Carmen.
Beijo
SOL
O homem é culpado pelo seu próprio desencanto, mas é através do próprio ser humano que podemos buscar esse encantamento novamente. Para isso, há de se ter força, vontade e fé. Ótima postagem.
Uma bela semana.
Beijinhos.
Era uma bela terra...
Querida Carmem sabemos bem que o encantamento está bem longe só lá no passado,a metáfora é verdadeira, a ganancia e a falsidade com suas garras vão tomando todos os espaços e só nos resta a saudade da época em que éramos felizes e não sabíamos.
Lindo texto amei.
beijinhos, Léah
Bela metáfora a contar a triste realidade do mundo hodierno.Entretanto,não se pode,não se deve perder a esperança por dias melhores e,para isto a tomada de consciência das próprias responsabilidades e mudança de atitude é fundamental para tal melhoria...Abraço fraterno,bom dia!
Querida Carmem: Li seu texto com enorme curiosidade como uma criança lendo um conto de fadas. Quisera poder viver esse tempo agora, onde havia respeito, honestidade como obrigação e não como qualidade, onde a ganância não ultrapassasse os limites de matar para ter, onde o poder é mais importante que o amor, aliás hoje tudo é mais importante que o amor, e assim estamos nos neste mundo árido e truculento. Creio que faz parte de nosso aprendizado para evoluir, mas só que esta evolução demora séculos.
Ótima postagem, amei.
beijinhos, Léah
Eu queria viver nessa terra que sem o ser, parecia encantada. Como seria bom viver num local assim.
Infelizmente, como no seu texto, há sempre alguém que quer ser mais que os outros, não duma forma benéfica, mas sempre numa ótica de aumentar o seu poder. O poder corrompe. Ou será que é o Homem que é naturalmente corrompível? Seja por poder, seja por dinheiro, seja por beleza...
Muito nos faz pensar, com este seu texto.
E é por muitas destas coisas é que o campo e a Natureza me atraem. Pelo seu equilíbrio constante, pela luta da sobrevivência diária, que não deixam espaço para os defeitos da condição humana.
Ou não deixam tanto...
Beijinhos e um bom resto de semana :)
E já nem sei se há alguma terra com encanto nos tempos que correm...
Excelente conto, pelo que ele encerra de real. Parabéns.
Continuação de boa semana, querida amiga Carmem.
Beijo.
Carmem,
O seu conto tem a força suficiente para tirar o leitor de sua comodidade para a necessária reflexão do que nos tornamos nestes dias em que vivemos. Vemos que nos falta tudo o que tinha na vida daquela gente, na parte da história, que antecede a viajem de um dos habitantes, que saiu para trazer novidades. Parabéns.
Abraços.
E há uma maioria calada
um texto lindissimo
Beijo
Que texto fantástico! Tive o privilégio de viver minha infância nesta terra encantada .Tudo tem seu preço, infelizmente! Tudo tem seu encanto,n podemos perder este caminho que nos leva a esta magia fantástica! Feliz Domingo, beijinhos
E desencantados, não sonham mais, ou quase. Porque acredito de verdade na capacidade da humanidade de se restabelecer, cuidar amorosamente do planeta e entender que somos todos uma única célula, o que se faz para o outro, acaba, inevitavelmente, sendo para si próprio.
Muito atual o texto Carmem e proveito, para te desejar uma ótima semana, deixando aqui os meus beijinhos.
Carmem,
Sobre o poder da palavra escrita temos alguns exemplos importantes aqui no Brasil, um deles é "Memória do Cárcere", escrita por Graciliano Ramos na prisão, no governo de Getúlio Vargas (ditatura que se prolongou por quinze anos).
Abraços.
Um texto que é a metáfora perfeita para a história da Humanidade, relevando os avanços e retrocessos civilizacionais. Há sempre um "algo" que se acha dono da verdade. Citando George Orwell "Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros", direi que, de facto, faz todo o sentido solidarizarmo-nos e lutarmos por quem ainda sofre mais do que nós e, se não conseguirmos muito, pelo menos que as palavras façam eco.
Parabéns, amiga. Bjo
Infelizmente há...mas seria bom que não houvesse!
Adorei seu texto...bj amigo
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