28/03/10

Como é que se começa a filosofar em cima de uma bicicleta


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O que se passa é que, por questões de saúde, tornei-me na feliz adquirente de uma dessas bicicletas ditas ‘de manutenção’: toda incrementada, electrónica, painel digital e o escambau. A dita é tão cheia de tremiloques e mais berloques, nem sei para quê, já que considero os dois únicos programas de que faço uso mais do que suficientes para suprir as necessidades de qualquer mortal. Os fisioterapeutas preferem chamar-lhe ‘máquina’, embora eu, ignorante criatura, continue a chamar-lhe ‘bicicleta’. Porque, para além de tudo, esta é minha e bem minha, que a paguei bem paga! Assim, sigo a chamar-lhe o que me apetecer.


Comprei-a em respeito ao acordo que fiz com a Senhora Doutora Fisiatra para complementar uma série de outros exercícios que me comprometi a fazer no conforto de casa. Isto para conseguir que a Senhora Doutora assinasse a alta médica e eu pudesse ir trabalhar. Não que eu estivesse a morrer de saudades do meu querido posto de trabalho, mas é com ele que eu ganho o meu pão, o leite, e mais umas coisitas. Daí, inquietar-me a ideia de o por em risco, porque isto de andar na Fisioterapia gastava-me quase metade do dia e não tenho conhecimento de patrão que veja com olhos redentores esse tipo de situação…
Lá comprei então, a dita bicicleta. E, do surgimento da bicicleta aos ensejos à filosofia, foi um passo.
Todos os dias a pedalar durante 20 minutos em marcha lenta…


Pedala, que pedala…


Chega a uma hora em que o pensamento começa a pedalar mais do que as pernas e, até ganha asas e voa… Voa até tempos antigos, a reviver histórias já vividas.
Depois de algumas semanas a pedalar, dei conta de que havia passado a hábito, ao fim dos exercícios, me por a rascunhar o que viera à cabeça enquanto dava ao pedal. E aí, foi um acumular de folhas soltas. Algumas, às vezes, cheias de gatafunhos rabiscados na ânsia de registar os pensamentos, antes que esses me fugissem da lembrança. O que levava a que, no dia seguinte, eu própria visse-me grega para os decifrar! E, às vezes, nem grega conseguia entender o que havia escrito!


O passo seguinte foi idealizar um espaço onde eu pudesse organizar e até partilhar essas coisas que chegam à lembrança, saídas da alma, explodindo do coração e, muitas vezes, abafadas dentro da boca… Pois a quem nunca aconteceu, ficar por dizer: ‘isto’ e obrigar-se a calar ‘aquilo’?

Eu queria, então, um espaço onde pudesse dizer ‘isto’ e ‘aquilo’ e, quem sabe, ainda algo mais…