Já contei trinta anos desde o dia em que te foste, numa
partida em que não nos permitiram a despedida.
Pergunto-me ainda hoje, como consentiste em ir sem deixar
que eu olhasse teus olhos uma derradeira vez para reter na memória essa luz
que enchia de serenidade a minha vida.
Foste e levaste-as contigo: à luz de teus olhos e à
serenidade que conheci um dia.
Trinta anos passaram, tanto ficou por dizer… Tanto ficou por
amar.
Questiono-me – se já se foi tanto tempo, por que não foi
de mim esta dor que ainda me aperta o peito e me amarra a garganta num nó
doído, de cada vez que não te sinto a meu lado?
Por que não foi de mim esta amargurada ânsia de bradar e
de bater a quem te levou de mim?
E tu? Se prometeste estar sempre a meu lado, porque
alçaste tuas asas naquele voo súbito e me deixaste aqui? Eu que não tinha asas,
que não sabia voar… Eu que não sabia seguir-te, esperei que regressasses…
Esperei a noite toda, uma noite tão longa e escura, onde
as estrelas não brilharam porque estavam de luto, também elas. E nessa noite
longa e escura, onde as estrelas não brilhavam, o céu, até ele chorava, condoído
de ver meu choro, ora pranto, ora choro calado, eterno lamento…
Só tu não entendeste que devias voltar, porque era a meu
lado, o teu lugar.
Não voltas, realmente?
É para sempre a partida?
O que tem a morte de tão fascinante que te seduziu a ponto
de me abandonares? Essa vadia enfarruscada que se esconde nas sombras, que cobiça
a todos… o que, de tão fascinante te sussurrou ela, ao ouvido naquela noite, que
te convencesse a segui-la? Insensato! Tão volúvel foste a seguir essa desconhecida
e deixar-me aqui, tão só. Eu que não tinha asas, que não sabia voar, que nem conhecia
o caminho…
25 comentários:
Carta lindamente escrita, como só alguém doendo e amando tanto, poderia escrever, passando tanta emoção, que chegou a me arrepiar.
Beijos no coração
Trinta anos... trinta dias... trinta minutos...
A dor de Amor é mais profunda que a dor física.
Texto que é um Testamento da despedida sofrida.
Beijos
SOL
Sem palavras, Carmem!
Eu nunca fiquei sem me despedir de quem partiu dessa vida, a não ser meu pai, pq era uma menininha de 4 anos. Me despedi de muitas pessoas ainda em minha adolescência - amigos, familiares... Acho que aprendi a aceitar a morte sem resignação. Mas em horas em que leio textos como o seu, meu coração se encharca de pesar e um nó vem à garganta. São dores que não esquecemos e que os anos apenas se encarregam de mostrar que a presença física fica cada vez mais longe, porém a presença emocional se intensifica conforme percebemos que estamos ficando sós nessa vida.
Por isso lhe digo que só posso me compadecer da sua dor e que a ausência não nos livra de continuar amando as pessoas que partiram, mas ainda bem que elas estiveram em nossas vidas.
Beijus,
É uma dor sem tamanho, o que demonstra o seu texto. Infelizmente eu não consegui despedir-me de meus pais que ambos morreram em tempo de ausência.
Um abraço e bom fim de semana
Eu nem sei o que escrever. É de uma beleza tuas palavras tão intensa como a tua dor. Obrigada por compartilhar. Beijo
Um texto fantástico pelo tom sofrido e inconformado pela partida do ente querido, de sopetão, sem que pudesse haver a necessária despedida.
Acresço a beleza literária que adensa a comoção.
Real ou ficcionada, é uma situação extremamente penosa.
Bjo, Carmen
Querida amiga/Querido amigo
O meu blog - A CASA DA MARIQUINHAS encontra-se temporariamente inactivo, a fim de que eu possa dispor de tempo para ultimar o meu segundo livro.
A título excepcional publicarei um post no dia 14/02 para assinalar a passagem de mais um aniversário.
Gostaria de contar com a tua presença, o que desde já agradeço.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
uma escrita sugestiva e envolvente...
beijo
SIEMPRE DUELE...!
ABRAZOS
(retribuindo a visita)
Há despedidas tão mais brutais do que aquelas dos amantes que se separam….
Olá,
Passei para lhe desejar, um dia de domingo agradável, e um tempo de Carnaval extraordinário.
Um abraço.
Carmem, há quem escreva com tamanha precisão cirúrgica e esta carta foi escrita assim, com certeza. Precisão e uma imensidão de sensibilidade. Sai em lágrimas, triste pela dor contida em ti, mas que sei ser legítima e pertinente por tamanha perda. Um abraço
Não encontro palavras amiga Carmem, para exprimir o que senti ao ler este seu desabafo.
Não lido bem com estas partidas e não sei como a consolar...
beijinho comovido e um abraço apertado
Fê
Palavras inquietantes...
Isabel Sá
http://brilhos-da-moda.blogspot.pt
Os anos não enfraqueceram a dor...
É uma dor que silencia gritando dentro do coração.
Nunca me despedi tambem, e parece que o vazio nunca é preenchido.
belas palavras.
Beijos, boa semana
"Não" li, mas sim, "bebi" essa carta.
Quem assim escreve, tem o poder da palavra, do pensamento e das lembranças.
O conteúdo e a forma estão mais que perfeitos, mas, seguir uma desconhecida, feia, mórbida, negra, não dá para compreender e muito menos aceitar.
E nem sequer se lembrou da dor do outro...! Como eu compreendo!
Dias bem felizes!
Tocou-me imenso... a dor da partida de um grande amor é eterna.
beijinho
cecilia
trinta anos, e parece que foi ontem!
partidas que não podemos comandar, essa foi definitiva porque assim é a morte.
dolorosamente triste e bem escrita!
comovida estou.
beijo
:(
Um texto arrepiante. Só na parte final me apercebi, que a separação não tinha sido uma escolha, mas um chamamento da morte. Aquela que quando chega tudo parece saber, e não aceita recusas nem argumentos, de quem ela quer levar, ou daqueles que ficam a sofrer.
Uma belíssima narrativa, que me parece uma história real e não um lamento fictício de cariz poético.
O sonho, será sempre uma forma de elevarmos o pensamento e de viajarmos por mundos inóspitos...essas são as suas asas, e , com elas poderá voar sempre que queira.
Beijinho meu e grata por tão bela partilha....:)
Muito difícil dizer alguma coisa tal a dor exposta. A indignação da perda está presente tanto quanto outros sentimentos. Lindo, mas dolorido! Aliás, os mais belos poemas são escritos assim, diante de uma enorme emoção.
Beijo, Carmem!
Aplausos.
Oi Carmem,
Muito intenso seu texto...
Não sei lidar com esse tipo de despedida...
E quanto mais o tempo passa, pior é.
Tenho boas recordações daqueles que se foram, mas queira ou não, sempre ficam palavras que não foram ditas.
Beijos :)
Escreveste lindamente essa carta. Palavras que me deixou a pensar...
Uma dor que ainda doe demais em ti.
Encantada com suas escritas Carmem.
Ficarei por aqui desde já.
Deixo um abraço!
Carmem , sua carta emociona do começo ao fim . A separação abrupta causada pela morte dilacera . E você tão bem descreve esta dor . Beijos
Mas não se lamente
Se o merecer
Um dia o vai encontrar!
Maria Luísa Adães
"os7degraus"
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